quinta-feira, 26 de maio de 2011

O discreto charme da corrupção

"Vivemos sob uma chuva de escândalos e denúncias de corrupção.
Mas, não se enganem, esses shows permanentes nos jornais e TV, servem apenas para dar ao povo a impressão de transparência e para desviar seus olhos das reformas essenciais que mantêm nossas oligarquias intactas.
Aos poucos o povo vai se acostumar à zorra geral e achar que tanta gente tem culpa que ninguém tem culpa. Me chamam de canalha, mas eu sou essencial.
Tenho orgulho de minha cara de pau, de minha capacidade de sobrevivência, contra todas as intempéries. Enquanto houver 25 mil cargos de confiança no País, eu estarei vivo, enquanto houver autarquias dando empréstimos a fundo perdido, eu estarei firme e forte.
Não adiantam CPI"s querendo me punir. Eu me saio sempre bem. Enquanto houver esse bendito Código de Processo Penal, eu sempre renascerei como um rabo de lagartixa, como um retrovírus fugindo dos antibióticos. Eu sei chorar diante de uma investigação, ostentando arrependimento, usando meus filhos, pais, pátria, tudo para me livrar. Eu declaro com voz serena: "Tudo isso é uma infâmia de meus inimigos políticos".
Eu explico o Brasil de hoje. Tenho 400 anos: avô ladrão, bisavô negreiro e tataravô degredado. Eu tenho raízes, tradição. Durante quatro séculos, homens como eu criaram capitanias, igrejas, congressos, labirintos. Nunca serão exterminados; ao contrário - estão crescendo. Não adianta prender nem matar; sacripantas, velhacos, biltres, vendilhões e salafrários renascerão com outros nomes, inventando novas formas de roubar o País.
E sou também "pós-moderno": eu encarno a "real-politik" do crime, a frieza do Eu, a impávida lógica do egoísmo.
No imaginário brasileiro, tenho algo de heroico. São heranças da colônia, quando era belo roubar a Coroa. Só eu sei do delicioso arrepio de me saber olhado nos restaurantes e bordeis; homens e mulheres veem-me com gula: "Olha, lá vai o ladrão..." - sussurram fascinados por meu cinismo sorridente, os maîtres se arremessando nas churrascarias de Brasília e eu flutuando entre picanhas e chuletas.
Amo a adrenalina que me acende o sangue quando a mala preta voa em minha direção, cheia de dólares, vibro quando vejo os olhos covardes dos juízes me dando ganho de causa, ostentando honestidade, fingindo não perceber minha piscadela maligna e cúmplice na hora da emissão da liminar... Adoro a sensação de me sentir superior aos otários que me compram, aos empreiteiros que me corrompem, eles, sim, humilhados em vez de mim.
Sou muito mais complexo que o bom sujeito. O bom é reto, com princípio e fim; eu sou um caleidoscópio, uma constelação.
Sou mais educativo. O homem de bem é um mistério solene, oculto sob sua gravidade, com cenho franzido, testa pura. O honesto é triste, anda de cabeça baixa, tem úlcera. Eu sou uma aula pública de perversidade. Eu não sou um malandro - não confundir. O malandro é romântico, boa-praça; eu sou minimalista, seco, mais para poesia concreta do que para o samba-canção. Eu faço mais sucesso com as mulheres - elas ficam hipnotizadas por meu mistério; e me amam, em vez do bondoso, que é chato e previsível. A mulher só ama o inconquistável. Eu fascino também os executivos de bem, porque, por mais que eles se esforcem, competentes, dedicados, sempre se sentirão injustiçados por algum patrão ingrato ou por salários insuficientes. Eu, não; não espero recompensas, eu me premio e tenho o infinito prazer do plano de ataque, o orgasmo na falcatrua, a adrenalina na apropriação indébita. Eu tenho o orgulho de suportar a culpa, anestesiá-la - suprema inveja dos meros neuróticos e sempre arranjo uma razão que me explica para mim mesmo. Eu sempre estou certo; ou sou vítima de algum mal antigo: uma vingança pela humilhação infantil, pela mãe lavadeira ou prostituta que trabalhou duro para comprar meu diploma falso de advogado. Pois é, eu comprei meu título de advogado; paguei um filho de uma égua para me substituir no exame e ele acertou tudo por mim. Eu me clonei.
Subi até a magistratura. Como juiz e com meu belo diploma falso na parede, vendi muitas sentenças para fazendeiros, queimadores de florestas, enchi o rabo de dinheiro. Passei a ostentar uma dignidade grave, uma cordialidade de discretos sorrisos, vivendo o doce frisson de me sentir superior aos medíocres honestos que se sentem "dignos"; digno era eu, impávido, mentindo, pois a mentira é um dom dos seres superiores. A mentira é necessária para manter as instituições em funcionamento. O Brasil precisa da mentira para viver. E vi que é inebriante ser cruel, insensível, ignorar essas bobagens como a razão, a ética, que não passam de luxos inventados pelos franceses, como os escargots.
Aí, com muito dinheiro encafuado, bufunfas e granolinas entesouradas, eu me permiti as doçuras da vida e me apaixonei por aquela santa que virou mãe de meus filhos. Hoje, com a passagem do tempo, ela vai se consumindo em plásticas e murchando sob pilhas de botox, mas continuo fiel a ela como o marido público, pois nunca a abandonarei, apesar das amantes nas lanchas, dos filhos bastardos.
E, aí, fui criando a minha rede de parentes e amigos; como é doce uma quadrilha, como é bela a confiança de fio de bigode, o trânsito cordial entre a lei e o crime... Assim, eu fechei o ciclo que começou na mãe lavadeira e no diploma falso até a minha toga negra, da melhor seda pura que minha esposa comprou em Miami, e não fui feito desembargador nas coxas não; eu já sabia que bastavam padrinhos e meia dúzia de frases em latim: "Actore non probante, reus absolvitur!" (frase que muito me beneficiou vida a fora.) Depois, claro, fui deputado, senador e sou um homem realizado. Eu sou mais que a verdade; eu sou a realidade. Eu e meus amigos criamos este emaranhado de instituições que regem o atraso do País. Este País foi criado na vala entre o público e o privado. A bosta não produz flores magníficas? Pois é. O que vocês chamam de corrupção, eu chamo de progresso. O Brasil precisa de mim." 
Arnaldo Jabor - O Estado de S.Paulo - 24/05/2011

7 comentários:

  1. Em Analândia ainda são incompetêntes tanto que tem que ameaçar e perseguir os cidadão. São incapazes de fazer a competição justa e saudável.

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  2. Qualquer semelhança com Analândia é mera coincidência. A parte que fala da esposa não é igual.rs

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  3. SE ME AMEAÇAR VAI TER CHUMBO GROSSO.....

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  4. PAULO HENRIQUE FRANCESCHINI27 de maio de 2011 às 12:31

    SOU FÃ INCONDICIONAL DO ARNALDO JABOR!!! ALEM DA SUA FORMA "SUI GENERIS" DE ESCREVER ELE TEM UMA VISÃO MUITO CLARA E OBJETIVA DE COMO "AS COISAS" FUNCIONAM NESSE PAIS.A CORRUPÇÃO SE TORNOU ALGO BANALIZADO PELOS CORRUPTOS E CORRUPTIVEIS. TUDO PODE!!!! E A "BOSTA"(PALAVRA DO JABOR) DA CORRUPÇÃO SE TORNOU INDISPENSAVEL PARA O PAIS.COLOCO AQUI UMA CONSIDERAÇÃO MINHA PARA REFLEXÃO DOS SEGUIDORES DO BLOG. EXISTE UMA TECNICA CHAMADA COMPOSTAGEM QUE TRANSFORMA A "BOSTA" EM FERTILIZANTE.E MAIS, UMA OUTRA TECNICA CHAMADA BIOPROSPECÇÃO PODE RETIRAR DO PRODUTO DA COMPOSTAGEM,PORTANTO DA "BOSTA", MOLECULAS QUE PODEM SER TRANSFORMADAS EM PRODUTOS EM DIVERSAS AREAS.ATE MEDICAMENTOS PODEM SER PRODUZIDOS ATRAVES DESSAS MOLECULAS. OU SEJA, DA "BOSTA" SAI O REMEDIO!!! TALVEZ AI ESTEJA O CAMINHO QUE ANALANDIA TENHA QUE PERCORRER.USAR A "BOSTA" QUE ESTA AI A DISPOSIÇÃO (E TEM A VONTADE) PARA FAZER A COMPOSTAGEM E ATRAVES DE ALGUMA MOLECULA ( QUEM SABE O HUMANISMO) SINTETIZAR O REMEDIO PARA CURAR ANALANDIA. È PROVAVEL QUE ESSE MEDICAMENTO SEJA UM LAXATIVO POTENTE QUE CAUSE UMA LIMPEZA DEFINITIVA NAS ENTRANHAS DO PODER PUBLICO E QUE ATRAVES DE UMA DIARREIA PROFUSA ELIMINE TODA A "BOSTA" QUE ESTA ACUMULADA HA TANTOS ANOS.COMO PERGUNTOU JABOR.."A BOSTA NÃO PRODUZ LINDAS FLORES? A RESPOSTA É SIM.... E CERTAMENTE A "BOSTA" PODE TB PRODUZIR O REMEDIO QUE CURE ANALANDIA DE TANTA "BOSTA". COMO DISSE ANTERIORMENTE AS TECNICAS ESTÃO AI... É SO USA-LAS ADEQUADAMENTE!!!! VAMOS TRANSFORMAR "BOSTA" EM REMEDIO QUE VAI CURAR ANALANDIA!!!! A PROPOSTA ESTA LANÇADA........

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  5. Otima frase e representa bem nossa cidade!!!

    Vibro quando vejo os olhos covardes dos juízes me dando ganho de causa, ostentando honestidade, fingindo não perceber minha piscadela maligna e cúmplice na hora da emissão da liminar...

    LAMENTAVEL

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  6. POIS É OLHA AÍ O QUE ACONTECE COM ESTE SISTEMA FALIDO ONDE TRABALHAM ESTES MONTES DE INCOMPETENTES, CORRUPTOS (AQUELES QUE ENCHEM AS CUECAS E MEIAS COM O NOSSO DINHEIRO).
    E A JUSTIÇA QUE ANDA A PASSOS DE TARTARUGA EM CONTRA PARTIDA OS CRIMINOSOS, ASSASSINOS,SEQUESTRADORES, QUE ANDAM A PASSOS DE LEBRE.... VOU DIZER UMA COISA, OS CRIMINOSOS ESTÃO NUQUEANDO O PESSOAL DA JUSTIÇA.
    DIATE DESTE QUADRO IMAGINEM O CAOS QUE VIRÁ????????????????

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