The Guardian - Jornal da Inglaterra
01/11/2010
às 19:56 Interesse público deve tornar-se internacional
Na noite de 9 de outubro, um sábado, dois homens invadiram a casa do vereador Evaldo José Nalin, em Analândia, interior de São Paulo. Dispararam sete tiros. Quatro acertaram a cabeça de Nalin, que descansava no sofá da sala de entrada. Investigador de polícia na cidade vizinha de Itirapina, o vereador apurava um esquema de desvio de verbas públicas na prefeitura de Analândia. O artigo a seguir, publicado originalmente no site do The Guardian, destaca a importância da divulgação, pela imprensa internacional, dos crimes contra ativistas anticorrupção. Confira.
ARTIGO PUBLICADO NO ESTADÃO DESTA SEGUNDA-FEIRA.
Nizar Manek*
A captura e detenção do mais proeminente ativista anticorrupção na Argélia no mês passado atraiu ampla atenção da mídia argelina, mas recebeu pouco ou nenhum espaço na imprensa internacional. O silêncio da reportagem pode ter algo a ver com as barreiras linguísticas: boa parte da documentação relevante é em francês e árabe. Ademais, talvez reportar sobre o opaco sistema político argelino não seja considerado merecedor de nota (a despeito da relevância internacional). Ou, quem sabe, foi por simples falta de interesse pelo sofrimento de ativistas anticorrupção fora do mundo desenvolvido.
Existe hoje um amplo reconhecimento de que a corrupção generalizada é uma violação de direitos humanos básicos e um grave empecilho ao desenvolvimento. No combate à corrupção, porém, os defensores de direitos humanos com frequência têm seus próprios direitos violados por perseguições, ataques físicos, calúnias, mudança de requisitos legais e bloqueio de suas fontes de financiamento.
No início do mês, um vereador da cidade brasileira de Analândia foi morto a tiros em sua casa por dois homens que chegaram de moto – outro caso que ficou sem cobertura na imprensa internacional. O vereador Evaldo José Nalin estava investigando vários casos de fraude e superfaturamento. Ameaças haviam sido reportadas às autoridades de Analândia antes de seu assassinato. Outro ativista foi baleado na cabeça.
Denúncias. O problema não se resume a Argélia e Brasil: onde há interesses particulares se apropriando das elites judiciais e políticas, a supressão politicamente motivada de ativistas anticorrupção não é incomum.
O caso argelino envolveu o dr. Djilali Hadjadj, o respeitado presidente da Association Algérienne de Lutte contre la Corruption (Associação Argelina de Combate à Corrupção), principal organização local de combate à corrupção e ao peculato. Seguiu-se uma série de investigações de corrupção, envolvendo a companhia estatal de hidrocarbonetos Sonatrach, que detém 51% de todos os novos produtos de energia e responde por 97% das exportações totais da Argélia.
A prisão de Hadjadj foi precedida pela publicação de alguns artigos seus no jornal Le Soir d”Algérie, os quais denunciavam tanto o presidente argelino quanto um novo departamento anticorrupção por sua falta de independência. Em 29 de agosto, uma semana antes da prisão, o diário El-Watan publicou uma entrevista com Hadjadj em que ele se queixava da falta de vontade política nos mais altos escalões para acabar com a corrupção. Alguns consideraram politicamente motivada a prisão de Hadjadj. Ela solaparia a credibilidade do presidente Abdelaziz Bouteflika, que durante a campanha eleitoral no ano passado havia prometido enfrentar a corrupção e estabelecer um legado de reformas genuínas.
Foi só depois da prisão que Hadjadj descobriu que havia sido julgado à revelia no início do ano e condenado a três anos de prisão por ter supostamente falsificado certificados de licença médica. Embora ele tenha sido solto agora com uma sentença suspensa de seis meses e uma multa de cerca de R$ 1.200, o caso Hadjadj precisa ser visto como o emblema de um problema maior e mais sistêmico. Sua soltura foi consequência do “efeito multiplicador” iniciado por uma rede de grupos da sociedade civil que pressionou as autoridades.
No Marrocos, Chekib El-Khiari – jornalista e fundador de uma organização local de direitos humanos, a Association du Rif des Droits de l”Homme (Associação de Direitos Humanos no Rif) – está cumprindo uma pena de três anos de prisão. O motivo foi que ele falou a uma rede internacional de televisão sobre autoridades marroquinas de alto escalão envolvidas num esquema de tráfico de drogas.
Como Hadjadj, na Argélia, Khiari foi sentenciado por um delito trivial – abrir uma conta bancária e transferir dinheiro sem autorização apropriada (relacionada à abertura de uma conta bancária na Espanha para sacar um cheque de 250 do jornal espanhol El País) e por “solapar ou insultar uma instituição pública”.
Muitas vezes, não há uma proteção adequada a ativistas anticorrupção em conformidade com os padrões internacionais – e uma vez presos, eles são facilmente esquecidos. Essa é a situação em numerosos casos de ativistas de menor projeção, cuja causa não foi assumida por ONGs ou pela imprensa internacional.
O escrutínio da imprensa internacional não pode ser bloqueado, mas esses problemas com frequência não são reportados. Os canais da mídia internacional deveriam dar uma clara guinada para internacionalizar o interesse público – particularmente no apoio à proteção internacional dos direitos humanos em países onde a investigação e publicação sobre corrupção enfrenta censura, prisões e assassinatos bancados pelo Estado. Os repórteres precisam acompanhar esses casos e fazer investigações transnacionais onde houver restrições inaceitáveis à mídia local.
*Advogado e blogueiro do jornal britânico The Guardian.
IMTERVENÇÃO JÁ ONG ?
ResponderExcluirNossa como Analândia esta famosa até internacionalmente, vai ficar mais ainda, não importa de que seja desta forma, pois quando acabar a CORRUPÇÃO, ela voltará as manchetes como uma cidade que conquistou a LIBERDADE.
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